PARCERIA NESTORSPMI APAH

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Carta de apresentação

Caros colegas,

O NESTOR - núcleo de estudos de organização e desenvolvimento de serviços de saúde da SPMI - tem procurado facilitar a divulgação e discussão, no âmbito da medicina interna, de temas e questões relevantes para a administração dos serviços de saúde.

A criação do núcleo resultou da influência, crescente, dos princípios de gestão na organização do sistema de saúde português. Deste facto resultaram significativas implicações na tipologia e qualidade dos cuidados prestados à população e, por consequência, na atividade prática diária do internista.

Queremos durante este ano de 2014 dar um novo impulso às iniciativas e à dinâmica do NESTOR, de forma a garantir a perenidade da sua influência e também a alargar o universo de internistas que no futuro possam assumir a continuidade das suas funções.

Criamos para esse efeito um blog - spminestor.blogspot.pt/ - , uma plataforma de interação direta em assuntos relacionados com gestão e organização de serviços de saúde. Publicaremos aí, de forma regular, artigos de referência - por internistas e por outros parceiros - que estimulem a reflexão sobre esta temática.

Teremos durante este ano de 2014 uma relação privilegiada de parceria com a APAH - Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, o que tornará mais vivas e mais ecléticas as interações e nos permitirá uma maior ambição na diversidade, profundidade e alcance dos temas aqui discutidos.

Convidamo-lo por isso a visitar, o blog do NESTOR no site da SPMI , conhecer o nosso programa para 2014 e a exercer, nesse contexto, uma participação ativa.

Com os melhores cumprimentos,

Filipe Basto

segunda-feira, 7 de abril de 2014

A importância dos registos clínicos para a avaliação da produção e o financiamento hospitalar

Fernando Lopes
Assessor, Departamento de Ciências da Informação e da Decisão em Saúde, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Médico Auditor da Codificação Clínica, Centro Hospitalar de São João
Presidente, Associação dos Médicos Auditores e Codificadores Clínicos

O sistema de classificação dos episódios de internamento em hospitais de agudos em Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH) foi criado na década de 60 na Universidade de Yale, nos EUA, com o objetivo de servir de base a sistemas de revisão de utilização com os quais se identificassem variáveis que pudessem explicar os tempos de internamento. A metodologia dos GDH baseou-se nos elementos disponíveis nos resumos de alta dos doentes, em especial o diagnóstico principal, os diagnósticos secundários, as intervenções cirúrgicas e a idade dos doentes.[1]
Com o progressivo desenvolvimento e a melhoria deste sistema de classificação tornou-se evidente a sua utilidade para o estabelecimento de um sistema de pagamento prospetivo (SPP) com o qual o hospital recebe a mesma quantia por cada doente que pertença ao mesmo GDH. O preço é fixado prospectivamente, de maneira que o hospital conheça o que vai receber por cada doente e possa, desse modo, e com base na atividade programada, determinar os valores do seu orçamento (custos e proveitos).[2]
Embora este sistema tenha sido implementado em Portugal, por determinação[3] da Secretario de Estado da Administração da Saúde, o financiamento dos hospitais só a partir de 1996 deixou de ser calculado com base no histórico indexado pela inflação e passou a ser efetivamente influenciado pela produção realizada e avaliada utilizando os GDH, em percentagem progressivamente crescente de ano para ano.
No sistema de classificação em GDH interferem no agrupamento (1) o diagnóstico principal, (2) os diagnósticos adicionais, (3) os procedimentos, em especial os cirúrgicos, (4) a idade, (5) o sexo, (6) o destino após a alta e (7) o peso no caso dos recém-nascidos. São estas variáveis que, com maior ou menor peso, refletem as caraterísticas do doente e da doença típicas de cada GDH: severidade da doença (perda de função e mortalidade), prognóstico (probabilidade de melhoria ou de deterioração, de recorrência e de expectativa de vida), dificuldade no tratamento (sofisticação e dificuldade dos procedimentos), necessidade de intervenção e intensidade no consumo de recursos. Destes vários parâmetros devem relevar-se os diagnósticos adicionais já que é evidente que tratar uma pneumonia num doente previamente saudável ou num doente com insuficiência cardíaca, bronquite crónica, diabetes descompensada, neoplasia pulmonar ou que faz diálise, só para citar alguns exemplos, é totalmente diferente.
Operacionalmente, para que um episódio de internamento seja agrupado num determinado GDH, é necessário que as informações nele registadas sejam codificadas e que os códigos assim obtidos sejam introduzidos no algoritmo de agrupamento juntamente com as outras variáveis atrás referidas. São os médicos codificadores os responsáveis por esta tarefa que passa pela leitura do processo clínico de cada episódio de cuidados, identificação dos diagnósticos e dos procedimentos nele registados e seleção dos códigos adequados da International Classification of Diseases, 9th Revision, Clinical Modification (ICD-9-CM)[4].
Os diagnósticos adicionais de cuja presença, estatisticamente, resulta o prolongamento da estadia do doente em pelo menos um dia e em 75% dos casos, são considerados complicações ou comorbilidades (CC), podem interferir no agrupamento e originar um GDH de maior peso. Mas se o registo clínico for incompleto ou impreciso, ou se o médico codificador não identificar os diagnósticos de complicação ou de comorbilidade, o hospital pode ter um prejuízo real porque os GDH não refletirão corretamente a produção realizada e o financiamento será inferior.
Este é apenas mais um dos motivos pelos quais os médicos hospitalares devem fazer registos clínicos adequados ao doente em tratamento. Para além das informações registadas serem utilizadas por outros colegas quando chamados a colaborar na prestação de cuidados, do histórico assim obtido ser imprescindível quando o doente é posteriormente admitido, da codificação armazenada na base de dados dos GDH ter um valor inestimável em inúmeros estudos epidemiológicos e dos registos serem o único meio de um médico acusado de negligência poder demonstrar que esteve presente, que observou o doente e que prestou cuidados, só a exaustividade da informação pode permitir uma adequada classificação dos episódios em GDH, uma correta avaliação da produção e um financiamento justo.
A utilização de determinadas normas pode ajudar o médico a melhorar os seus registos. Por exemplo, a conformidade com a norma SOAP (Subjetive, Objective, Assessment & Plan) permitirá não esquecer o que é essencial na elaboração dos diários. A estruturação oferecida por uma aplicação como o SAM, no preenchimento dum relatório de alta, é um incentivo, por exemplo, ao registo dos problemas ou da evolução da condição do doente ao longo do episódio de internamento. Do mesmo modo a estruturação dum relato operatório poderá conduzir a um registo dos achados à inspeção do local operado, dos procedimentos realizados, dos dispositivos implantados, e de intercorrências operatórias, tantas vezes esquecidas.
Para que não haja diferenças na codificação efetuada por médicos codificadores diferentes, em alturas ou em hospitais distintos, o sistema de classificação de doenças utilizado, a ICD-9-CM, tem um conjunto de instruções e de normas[5] aplicáveis às quais se vão acrescentando consensos, emitidos pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), sempre que necessário. Estão, assim, criadas as condições para a codificação clínica seja aplicada segundo normas precisas e sem desvios, e estabelecido o âmbito das necessárias auditorias interna e externa.
Resta ao médico responsável pelo doente, a quem compete registar o que observa e os cuidados prestados, fazê-lo com o zelo e a exaustividade que garantam que, para além dum diagnóstico principal, todos os diagnósticos adicionais sejam mencionados para que sejam tidos em conta na altura da codificação e do agrupamento em GDH e, consequentemente, a instituição em que trabalha seja justamente ressarcida dos custos dos doentes tratados e possa mesmo, através duma gestão eficiente, ter uma margem para investimento e melhoria sustentada.
O modelo atual de financiamento hospitalar, implementado nos contratos-programa[6], estabelece um preço único por episódio de internamento que, para este ano de 2014, é de 2120,28 €. Poder-se-ia pensar que, se todos os doentes valem o mesmo, não se justificará uma grande exaustividade dos registos. Mas há que ter em conta que o financiamento da instituição, embora baseado no preço único contratualizado, é indexado por um indicador, o índice de casemix[7], calculado a partir da produção e que mede a sua complexidade relativamente aos outros hospitais.
Para o cálculo do casemix contribuem, por um lado, os pesos relativos (PR) da cada GDH, definidos por portaria[8] e, por outro, o número de doentes equivalentes, calculados a partir dos tempos de internamento. Os pesos relativos dos GDH refletem a complexidade: os GDH resultantes de cuidados mais diferenciados ou com diagnósticos adicionais de complicação e/ou comorbilidade (CC) têm um peso mais elevado. A sépsis, por exemplo, é um dos diagnósticos adicionais que mais interferem no PR. Esta é mais uma razão para a necessidade de registos exaustivos: se as comorbilidades existentes não forem registadas e codificadas, os episódios não serão agrupados nos GDH de CC que as preveem, o índice de casemix do hospital não refletirá a complexidade dos cuidados e o financiamento não será por ele indexado como seria justo.




[3] Circular Normativa 1/89. Implementação do Sistema de Pagamento Prospectivo baseado nos GDH
[4] Está previsto para 1 de janeiro de 2016 o início da utilização em Portugal da International Classification of Diseases, 10th Revision, Clinical Modification (ICD-10-CM) juntamente com a International Classification of Diseases, 10th Revision, Procedure Classification System (ICD-10-PCS).

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