PARCERIA NESTORSPMI APAH

PARCERIA NESTORSPMI  APAH

Carta de apresentação

Caros colegas,

O NESTOR - núcleo de estudos de organização e desenvolvimento de serviços de saúde da SPMI - tem procurado facilitar a divulgação e discussão, no âmbito da medicina interna, de temas e questões relevantes para a administração dos serviços de saúde.

A criação do núcleo resultou da influência, crescente, dos princípios de gestão na organização do sistema de saúde português. Deste facto resultaram significativas implicações na tipologia e qualidade dos cuidados prestados à população e, por consequência, na atividade prática diária do internista.

Queremos durante este ano de 2014 dar um novo impulso às iniciativas e à dinâmica do NESTOR, de forma a garantir a perenidade da sua influência e também a alargar o universo de internistas que no futuro possam assumir a continuidade das suas funções.

Criamos para esse efeito um blog - spminestor.blogspot.pt/ - , uma plataforma de interação direta em assuntos relacionados com gestão e organização de serviços de saúde. Publicaremos aí, de forma regular, artigos de referência - por internistas e por outros parceiros - que estimulem a reflexão sobre esta temática.

Teremos durante este ano de 2014 uma relação privilegiada de parceria com a APAH - Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, o que tornará mais vivas e mais ecléticas as interações e nos permitirá uma maior ambição na diversidade, profundidade e alcance dos temas aqui discutidos.

Convidamo-lo por isso a visitar, o blog do NESTOR no site da SPMI , conhecer o nosso programa para 2014 e a exercer, nesse contexto, uma participação ativa.

Com os melhores cumprimentos,

Filipe Basto

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Ambulatory Care Sensitive Conditions (ACSC)


Filipe Basto, MD, FACP, MHA 
Especialista em Medicina Interna, 
Fellow American College of Physicians; 
Masters in Health Administration, UNC / Chapel Hill

O estudo
Vem este artigo a propósito de um estudo pioneiro em Portugal, realizado pela IASIST ( link abaixo ), no qual se equaciona, à semelhança de outros estudos realizados em países da Europa, América e Austrália, o impacto, no internamento hospitalar, de admissões, potencialmente evitáveis, decorrentes da agudização de quadros clínicos crónicos específicos.
Admite-se assim que o internamento condicionado por estas condições, genericamente denominadas “Ambulatory Care Sensitive Conditions” ( ACSC),  possa ser prevenido se houver uma adequada prestação de cuidados primários em ambulatório - da prevenção à gestão atempada da doença subjacente.
Para seleccionar as patologias específicas em estudo ( no caso: diabetes; hipertensão; insuficiência cardíaca; doenças cerebrovasculares; DPOC/bronquite; e asma), foi reproduzida uma metodologia de consenso entre peritos médicos utilizada em Espanha e utilizados os critérios médicos de justificação para o internamento aí definidos.
É bom salientar alguns dos pressupostos associados a esta análise: 1. a prestação de cuidados em internamento hospitalar é mais dispendiosa do que em ambulatório; 2. o internamento hospitalar apresenta, de per si, riscos significativos de iatrogenia pelo que a sua utilização deve restringir-se ao estritamente necessário; 3. a promoção do acesso e uma adequada e atempada prestação dos cuidados primários reduz o número de internamentos por ACSC.
Reduzir o número de internamentos por ACSC para o nível das necessidades efectivamente incontornáveis torna-se neste contexto não apenas uma oportunidade para reduzir custos e preservar a função e a saúde dos cidadãos, mas uma condição obrigatória de salvaguarda da racionalização do sistema, contribuindo para a efectividade das prestações, optimizando a eficiência e dinamizando a articulação entre cuidados primários e hospitalares.
O estudo, realizado com os dados dos internamentos hospitalares do SNS português entre 2004 e 2012, mostra a sua evolução, global e por patologia, ao longo deste período, discriminado as variações registadas com o grupo etário e o sexo, e incluindo a análise da demora média, da taxa de mortalidade e da taxa de reinternamento. Fornece ainda, para 2012, uma interessante análise da influência geográfica – localidade de residência - no padrão de internamentos.
A análise dos resultados é condicionada pelas limitações do estudo e pela sua metodologia, mas, ainda assim, permite uma visão evolutiva e por vezes surpreendente da frequência anual dos internamentos, da produção do sistema de saúde português e das variáveis hospitalares que caracterizam os internamentos nestas diferentes patologias.
Constitui-se por isso um excelente pretexto de análise às intervenções e aos resultados verificados neste período no SNS - nomeadamente no que diz respeito às importantíssimas variações regionais constatadas -  e também aos modelos de organização, incentivos e financiamento dos cuidados primários.
Mais do que conclusões taxativas sobre qual é a raiz do problema e as melhores soluções a prosseguir, o estudo permite identificar áreas onde se impõe uma investigação adicional de aprofundamento e contextualização, caracterizando, em cada caso, a interacção entre hospitais e cuidados primários aí verificada.

Os comentários ao tema e a sua relevância para o internista
O desígnio do sistema de saúde é o de promover, de forma equitativa, o acesso de cada indivíduo a este mesmo sistema, garantindo-lhe, de acordo com os recursos disponíveis e os objectivos definidos, os serviços e os meios (humanos, materiais …) mais úteis e (estritamente) necessários para assegurar, com a máxima eficiência, os melhores resultados em saúde. Esta prestação deve por isso realizar-se no momento oportuno, no local mais apropriado e da forma mais adequada.
Compreende-se por isto a importância do indicador “internamentos por ACSC” e a relevância da investigação complementar que a análise dos seus resultados proporciona na prossecução destes propósitos. É clara a influência que daí pode resultar para a dinâmica de organização do sistema e para a adequação das respostas do SNS.
É claro que a definição de metas e objectivos em saúde e a sua confrontação com realidades internacionais comparáveis, permitiria uma aferição mais rigorosa dos resultados, salvaguardando o peso de variáveis associadas ao paciente e à sua doença, às especificidades do país e à lógica que está subjacente ao sistema.
A percepção de que muitas destas variáveis decorrem, no momento da análise, de eventos num tempo remoto, e de que muitas das influências actuais condicionam impacto num tempo distante, obrigam a uma análise longitudinal, só possível com o registo sistemático de dados das patologias, dos resultados e das variáveis que permitam contextualizar a relevância relativa de diferentes factores.
O peso crescente do envelhecimento, a maior prevalência de doenças crónicas e a presença, num número crescente de indivíduos, de múltiplas patologias constituem exemplos de factores de influência cuja importância é naturalmente colorida pela geografia e pelas diferentes realidades socioculturais e económicas de cada região.
O acesso e a organização dos cuidados primários são, obviamente, questões essenciais. Deverão reconhecer-se défices de cobertura, de cuidados ou de “know how”, admitindo porém que estes factores podem ser apenas uma parte do problema ou da solução – há experiências internacionais, nomeadamente no Canadá, onde a um melhor acesso e maior disponibilidade e continuidade de cuidados (primários e especializados) se associaram, inesperadamente, maior risco de internamento por ACSC.
Parece-nos por isso que o mais importante é a criação de redes que suportem a comunicação e a articulação entre os diferentes níveis de cuidados, construindo os trilhos, que em cada circunstância, se revistam de maior utilidade para os pacientes. Estes circuitos promoverão não apenas o acesso e a articulação dos cuidados mas também níveis de responsabilização nos diferentes patamares e dimensões envolvidos, facilitando a concertação de interesses (dentro e fora do sistema) e a avaliação, sistemática, dos resultados que é necessário obter.
Estas redes hospital – cuidados primários - ambulatório, terão de ser dinâmicas e progressivas, estabelecendo, no local mais adequado, uma resposta ambulatória que ultrapasse a mera solução do problema agudo, como sabemos muitas vezes garantida pelos serviços de urgência.
A construção desta rede pressupõe uma visão estratégica dos problemas, priorizando situações onde seja mais importante melhorar os resultados em saúde e onde seja mais relevante racionalizar a existência de um maior consumo de recursos – sabemos que os consumos podem agregar-se em determinadas circunstâncias e em certos grupos de “doentes problema”.
O internista confronta-se, no seu dia-a-dia, com inúmeras situações de internamentos evitáveis. As situações de internamento por ACSC são uma parte, muito importante deste universo, que inclui ainda internamentos para casos sociais ou para a realização de estudos, exames e tratamentos que poderiam perfeitamente ser feitos em ambulatório.
Muito se tem feito nos últimos anos para ultrapassar, dentro do sistema, estes problemas, redefinindo o próprio conceito de um hospital na rede, melhorando a sua resposta e vocação ambulatória, e optimizando os níveis de coordenação com os Cuidados de Saúde Primários.
A visão de conjunto, a experiência, a exposição e a capacidade de discriminar e agregar valor entre diferentes especialidades e diferentes níveis de prestação, conferem ao internista uma grande utilidade como parceiro essencial na priorização, reorganização e aferição do impacto dos cuidados prestados.
A sua perspectiva integradora contribuirá para uma visão não dicotómica dos problemas, reforçando o foco de centralização nas necessidades do indivíduo e facilitando a comunicação entre diferentes stakeholders.
O internista e a medicina interna devem assim constituir-se como uma força proactiva na promoção de experiências e de investigação consequente neste domínio.

Bibliografia

Caminal J et al. - Las hospitalizaciones por ambulatory care sensitive conditions: selección del listado de códigos de diagnóstico válidos para España. Gac Sanit 2001; 15 (2): 128-141.

Weissman JS, Gatsonis C, Epstein AM. - Rates of avoidable hospitalization by insurance status in Massachusetts and Maryland. JAMA 1992; 268: 2388-2394

The Lse Companion To Health Policy
Edited by Alistair McGuire, Professor of Health Economics, LSE, UK and Joan Costa-Font, Harvard University, US. 2012.




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